Como pode existir um deserto no nordeste do Brasil?
Entenda como a Catinga, um deserto no Nordeste do Brasil, existe cercada por regiões úmidas e enfrenta desertificação acelerada.

Você já deve ter ouvido falar da Catinga, um bioma árido localizado no Nordeste do Brasil, tão extenso que chega a ser maior do que a França inteira. O que realmente chama atenção é que esse deserto brasileiro está cercado por três regiões ricas em água: o Oceano Atlântico, a Floresta Amazônica e a úmida Mata Atlântica. A pergunta que surge é inevitável: como uma região tão seca consegue existir ao lado de territórios tão férteis e úmidos?
Para entender esse fenômeno, precisamos olhar para o funcionamento do clima e da geografia brasileira. A Amazônia, conhecida como a maior floresta tropical do mundo, abriga cerca de 1.700 rios e apresenta uma vasta quantidade de chuva, com médias anuais que podem chegar a 3.000 mm. No entanto, mesmo estando a menos de 1.000 km da Catinga, a diferença na quantidade de chuvas é enorme: enquanto a Amazônia recebe volumes intensos de precipitação, a Catinga mal chega a 300 mm anuais. A explicação envolve fatores complexos de circulação atmosférica.
As correntes de vento carregam nuvens formadas no Oceano Atlântico em direção à Amazônia, guiadas por zonas de baixa pressão que “puxam” a umidade para o interior do continente. Quando essas nuvens encontram a cadeia de montanhas dos Andes, são desviadas para o sul, impedindo que grandes massas de água alcancem o Nordeste. Ao mesmo tempo, a zona de alta pressão da região nordestina dificulta a chegada de novas chuvas, criando um ambiente naturalmente árido. Outro fator é a influência de massas de ar vindas do Oceano Pacífico, como o fenômeno El Niño, que também contribui para a aridez local.
Além dos fatores climáticos atuais, a história geológica explica a formação da Catinga. Fósseis de ouriços encontrados no sertão brasileiro, entre Pernambuco, Piauí e Ceará, indicam que a região já foi banhada pelo Atlântico há cerca de 120 milhões de anos. Com o tempo, mudanças climáticas e eras glaciais transformaram essas áreas antes úmidas em regiões secas. Estima-se que a Catinga tenha se formado há aproximadamente 10.000 anos, no período do Holoceno, quando o planeta passou por alterações significativas de temperatura e precipitação.
Hoje, cerca de 80% do território nordestino é semiárido, somando aproximadamente 34 milhões de hectares. Parte desse solo, apesar de árido, ainda permite a vida e a exploração de minérios, mas a desertificação avança rapidamente. Atualmente, cerca de 12,85% do território da Catinga já é considerado desértico, afetando milhares de habitantes de cidades como Cabrobó em Pernambuco e regiões do sertão do São Francisco. Essa expansão preocupa especialistas e moradores, evidenciando como o deserto brasileiro não é apenas uma curiosidade geográfica, mas um desafio ambiental real e crescente.