Veneno de aranha, esperança no controle de tumores cerebrais
Uma pesquisa inovadora desenvolvida no Brasil, na Unicamp, aponta para um futuro promissor no tratamento de tumores cerebrais. O estudo revelou que o veneno da aranha armadeira (Phoneutria nigriventer), espécie comum nas regiões Sul e Sudeste do país, possui a capacidade de reduzir a migração de células tumorais cerebrais, independentemente do grau de malignidade.
Para a realização dos testes, foram coletadas 14 amostras de células tumorais de pacientes atendidos no Setor de Neurocirurgia Oncológica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A análise da reação das moléculas ao veneno em três dessas amostras demonstrou que tumores de diferentes graus respondem positivamente, com uma redução na migração celular. “Vimos que tumores com diferentes graus, ou seja, independente do perfil molecular, foram responsivos ao veneno, reduzindo a migração. A ação funciona em diferentes gliomas”, explicou a biomédica Natália Barreto dos Santos.
A descoberta é fruto da tese de doutorado da pesquisadora no programa de Biologia Molecular e Morfofuncional do Instituto de Biologia da universidade. A professora Catarina Rapôso, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, que orientou a tese e pesquisa venenos de animais há mais de 20 anos, ressaltou a importância da pesquisa translacional, que busca aplicar o conhecimento científico básico em soluções para a saúde humana.
No Brasil, o câncer do sistema nervoso central apresenta uma incidência significativa, com cerca de 11 mil novos casos por ano, sendo a maioria localizada no cérebro. Uma das maiores dificuldades no tratamento do glioblastoma, o tipo mais comum e agressivo de tumor cerebral, reside na sua capacidade de se espalhar pelo parênquima cerebral, dificultando a remoção completa do tumor durante a cirurgia e limitando a eficácia dos medicamentos.
A professora Rapôso observou que o veneno bruto da aranha armadeira é capaz de quebrar a barreira hematoencefálica, uma estrutura que protege o sistema nervoso central, mas que também dificulta a entrada de medicamentos no cérebro. O veneno tem a capacidade de “abrir” essa barreira por um período de aproximadamente doze horas.
Os experimentos se concentraram nas células gliais, que desempenham um papel fundamental no suporte e proteção dos neurônios. O veneno da armadeira atuou diretamente nas células da glia, especificamente nos astrócitos, que, ao sofrerem mutações, dão origem aos gliomas (tumores). Esse efeito contribui para reduzir a invasão das células da glia.
A equipe de pesquisa isolou duas moléculas do veneno, denominadas LW9 e LW11, que apresentam efeitos distintos, mas complementares. A molécula LW9 já foi patenteada em conjunto com um quimioterápico, criando um produto associado. A patente da LW11 em combinação com a LW9 também está em andamento. As amostras de células tumorais foram armazenadas em um biobanco para futuras pesquisas.
Os pesquisadores planejam iniciar testes com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com foco no câncer de mama. Paralelamente, o laboratório mantém uma parceria com uma clínica veterinária para investigar o uso do veneno em animais, o que pode resultar no desenvolvimento de um medicamento veterinário.


