Amazon: a automação total e o futuro do trabalho

A Amazon, gigante do comércio eletrônico com um faturamento que rivaliza com o PIB de países como Argentina e Suécia, tem redefinido o cenário urbano e as dinâmicas do mercado de trabalho ao longo de três décadas. A empresa, impulsionada por um vasto capital, revolucionou o varejo, começando pelas livrarias e expandindo-se para outros segmentos, especialmente durante a pandemia. Agora, a empresa parece se preparar para um novo salto rumo à automação total de suas operações.
A estratégia da Amazon, de acordo com documentos e relatos, prevê uma redução drástica da força de trabalho humana, com a possível eliminação de cerca de meio milhão de empregos nos Estados Unidos nos próximos anos. O foco principal dessa transformação são os vastos centros de distribuição da Amazon, conhecidos como warehouses, que se tornaram elementos-chave da logística da empresa e influenciaram os hábitos de consumo em metrópoles ao redor do mundo.
Atualmente, a Amazon opera 185 warehouses globalmente, incluindo 12 no Brasil, conectados a uma rede de mais de mil centros de distribuição e entrega. Essa expansão, que começou em 1997, foi favorecida pela desregulamentação econômica, pela liberdade de capital, pelos avanços tecnológicos e pela crescente precarização do trabalho. A empresa estabeleceu-se como uma concorrente formidável para o varejo tradicional, superando as limitações de escala e custos de aluguel.
Desde sua fundação como livraria em 1994, o objetivo de Jeff Bezos, criador da Amazon, era criar “a loja de tudo”. Ao contrário das lojas físicas, a Amazon poderia operar em locais remotos, sem a necessidade de atrair clientes por meio de instalações elaboradas. Cada warehouse é, essencialmente, um espaço dedicado à acumulação.
Essa estratégia de redução de custos e parcerias financeiras permitiu à Amazon praticar o dumping, inicialmente com as livrarias menores. Em 2020, observou-se que a Amazon oferecia livros a preços inferiores aos praticados pelas próprias editoras. Essa prática, combinada com a exploração da mão de obra, resultou no declínio de espaços culturais importantes.
A mesma abordagem foi aplicada a outros setores do varejo, consolidando a Amazon como “a loja de tudo”. Essa prática devastadora, impulsionada pela precarização da vida material, atrai consumidores com descontos e entregas rápidas, levando outras grandes redes a adotar o mesmo modelo, enquanto o pequeno comércio luta para sobreviver.
Os warehouses da Amazon são o coração desse processo de concentração de riqueza e uniformização, mas seu sucesso depende da alienação do trabalho em uma escala sem precedentes. A organização interna dos armazéns é aparentemente caótica, com produtos estocados aleatoriamente, mas um sistema de códigos de barras e software garante o controle total do estoque.
Os trabalhadores são subordinados às máquinas, desempenhando tarefas repetitivas de coleta de mercadorias, com o ritmo de trabalho ditado por algoritmos. Em 2018, a Amazon chegou a patentear uma pulseira para monitorar os movimentos dos trabalhadores, mas o projeto não foi implementado devido à reação negativa que poderia gerar. Em vez disso, a empresa utiliza scanners de mão, tablets, câmeras de segurança e sistemas de gerenciamento por algoritmos para monitorar e controlar o trabalho.
Para manter esse regime, a Amazon promove uma cultura corporativa específica, com gamificação, metas, punições e recompensas. Um sistema interno de comunicação incentiva os funcionários a identificar falhas e fazer elogios, mas palavras como “sindicato”, “demitir” e “aumento salarial” são proibidas.
A empresa busca impedir qualquer forma de união e solidariedade entre os trabalhadores. Nos Estados Unidos, a Amazon tenta impedir a formação de sindicatos em suas unidades de trabalho, mas, em 2022, um sindicato foi formado em um warehouse de Nova York após uma longa luta.
A partir de 2020, a pandemia impulsionou ainda mais os lucros da Amazon, forçando a empresa a contratar um grande número de trabalhadores, chegando a 1,2 milhão atualmente. No entanto, a automação total parece ser o objetivo final da empresa.
A Amazon já possui planos detalhados e a tecnologia necessária para dobrar suas vendas até 2033, mantendo o mesmo número de funcionários de hoje. Isso significa deixar de contratar 600 mil pessoas e possivelmente demitir uma parte considerável de sua força de trabalho por meio da automação.
A aquisição da Kiva, fabricante de robôs, em 2012, marcou o início do investimento da Amazon em automação. Robôs como Proteus, Hercules e Blue Jay estão sendo utilizados para transportar prateleiras, identificar produtos e separar itens, substituindo o trabalho humano.
O Blue Jay, um robô avançado com sensores óticos e células de sucção, é capaz de realizar a maioria das tarefas antes realizadas por humanos nos warehouses. Ele foi mantido em segredo até recentemente, sendo revelado após a divulgação dos planos da Amazon para eliminar empregos em massa.
A Amazon planeja implementar esses robôs em 40 warehouses até o final de 2027, com o objetivo de eliminar 75% das atividades humanas. Essa transformação resultará na eliminação de mais de meio milhão de empregos até 2033.
A empresa também planeja adotar uma estratégia de relações públicas para minimizar o impacto social da automação, evitando termos como “automação” e “IA” e promovendo a ideia de “cobôs” (robôs colaborativos).
Apesar dos benefícios potenciais da tecnologia para reduzir o trabalho humano, a Amazon tem gerado resultados devastadores. Pequenas livrarias foram extintas, o comércio de rua declinou e as cidades tornaram-se menos diversificadas. A empresa ajudou a criar um sistema que enriquece um pequeno grupo de pessoas às custas de muitos. Enquanto Jeff Bezos acumulou uma fortuna que cresceu em bilhões durante a pandemia, um trabalhador de salário mínimo levaria centenas de anos para ganhar o mesmo valor.




