Cop30 expõe desafios urbanos na amazônia, além do clima

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Belém, a metrópole amazônica que sediará a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) em 2025, enfrenta uma grave crise urbana que vai além da falta de infraestrutura hoteleira. A cidade, localizada em um estado onde a maioria da população não tem acesso à coleta de esgoto, apresenta o segundo aluguel mais caro do Brasil, com um aumento significativo nos últimos meses. Mais da metade dos domicílios estão em favelas e comunidades, superando a média nacional.

Apesar de abrigar grandes hidrelétricas, a conta de luz é substancialmente mais cara do que a média do país. Outros problemas incluem desabastecimento de água, assentamentos precários, comunidades sob ameaça de remoção e um sistema de transporte público inadequado.

A ironia se intensifica com a execução de obras consideradas insustentáveis, destinadas a receber participantes que discutirão a sustentabilidade ambiental. Projetos rodoviários, implementados para melhorar a mobilidade, paradoxalmente reforçam o modelo urbano que agrava as mudanças climáticas. A construção de “eco-árvores” artificiais em um território amazônico também levanta questionamentos.

Enquanto o Brasil se prepara para sediar a “COP das Florestas”, surgem questões sobre a justiça climática e a necessidade de repensar a forma como construímos e vivemos nas cidades. Quais são os desafios específicos das cidades amazônicas? Poderão as cosmovisões ancestrais oferecer novos modelos de planejamento territorial, em oposição aos modelos urbanos tradicionais?

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As cidades da Amazônia, embora compartilhem alguns problemas com outras regiões, possuem características únicas que demandam atenção especial. Uma grande extensão de terras públicas não destinadas, a grilagem e os altos índices de conflito por terra afetam diretamente as populações tradicionais.

O Observatório Amazonicidades destaca a complexa questão fundiária, marcada por intervenções estatais autoritárias que visam à expansão de latifúndios e à construção de infraestrutura para a exportação de commodities. Além da diversidade de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, a região abriga uma riqueza étnica ainda mais complexa, com camponeses, agricultores familiares e outros grupos que resistem às tentativas de apagamento.

Em uma região rica em água, a seca persistente causa paradoxos extremos. O transporte limitado, a infraestrutura fluvial subaproveitada e as estradas precárias restringem o acesso da população a serviços essenciais, intensificando o isolamento e as desigualdades. Esse cenário impulsiona a migração para as metrópoles, expandindo as ocupações informais e as periferias.

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A política nacional de desenvolvimento urbano e os instrumentos existentes são insuficientes para lidar com os problemas específicos das cidades amazônicas, evidenciando a necessidade de um Estatuto das Cidades Amazônicas.

O Estatuto da Cidade, embora importante, apresenta lacunas ao não considerar as singularidades da região amazônica. A forte participação dos movimentos sociais rurais e o padrão de ocupação “miúdo, disperso e articulado” contrastam com a concepção do Estatuto, voltada para grandes centros urbanos.

O Observatório Amazonicidades apresentará um trabalho que pode fornecer insumos para a construção desse novo Estatuto, abordando temas como o projeto de integração do centro-sul do Brasil imposto aos povos amazônicos e o racismo institucionalizado no discurso do desenvolvimento. A agenda proposta pelo Observatório busca repensar a linha divisória entre campo e cidade, compreendendo as cidades médias como atores estratégicos e interiorizando o acesso a direitos sociais.

A criação de mecanismos de mediação de conflitos e o enfrentamento da questão fundiária estrutural são medidas urgentes. A Amazônia não carece de espaço, mas de uma gestão territorial eficaz que garanta o Direito à Moradia Digna. A superação do paradigma dos grandes projetos e a transição para uma economia baseada na “floresta em pé” são essenciais para criar circuitos locais de produção e consumo, integrando o urbano e o rural e tecendo uma nova relação entre a cidade e a floresta.

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A ascensão da “intelectualidade indígena” e a presença de jovens das periferias e comunidades tradicionais nas universidades trazem novas perspectivas para o debate sobre as cidades brasileiras. Uma cidade com acesso próximo à natureza, águas vivas e espaços para reconexão beneficiaria a todos. Respeitar as áreas de várzea e investir na recuperação de rios poluídos são ações concretas que podem inserir perspectivas ancestrais no planejamento urbano.

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