Brasil: fungo nativo ameaça populações globais de anfíbios

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Uma descoberta surpreendente revela que o Brasil é o berço de um fungo letal que tem devastado populações de sapos, rãs e pererecas em todo o mundo. A história desse patógeno microscópico, conhecido cientificamente como Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), remonta a amostras preservadas em museus brasileiros desde 1916, muito antes de sua emergência como uma ameaça global.

O Bd é o agente causador da quitridiomicose, uma doença fúngica que já dizimou pelo menos 500 espécies de anfíbios anuros em diversos continentes. No centro dessa revelação está a variante genética Bd-Brazil, uma linhagem particular originária do território brasileiro. Pesquisadores brasileiros suspeitavam há anos dessa origem, e um estudo recente publicado na revista Biological Conservation confirma essa hipótese.

A confirmação da origem brasileira da Bd-Brazil não foi um processo simples. Em 2012, após a identificação inicial da variante no país, a designação Bd-Brazil parecia lógica. No entanto, em 2018, um artigo na revista Science contestou essa origem, sugerindo uma possível origem na Península Coreana e propondo a renomeação do genótipo para Bd-Asia-2/Bd-Brazil. Essa contestação colocou em dúvida a hipótese brasileira.

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A equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), liderada pelo professor Luís Felipe Toledo e com a participação de Luisa P. Ribeiro, reuniu evidências de diversas fontes para resolver essa controvérsia. “Esse genótipo tem alta prevalência em diferentes espécies nativas do Brasil, com registros muito antigos”, explica Ribeiro. “Quando olhamos em outros lugares, os registros são bem mais recentes e ocorrem apenas em rãs-touro e outras espécies exóticas.”

Para comprovar a origem brasileira, os pesquisadores analisaram dados da literatura científica, amostras de anfíbios preservadas em museus desde o século XIX, análises genéticas de rãs criadas em ranários brasileiros e informações sobre o comércio internacional de carne de rã. Colaboradores examinaram 2.280 espécimes de anfíbios coletados entre 1815 e 2014, armazenados em museus de zoologia em todo o mundo. Desses, quarenta testaram positivo para o Bd.

O registro mais antigo de infecção foi encontrado em um sapo coletado em 1915 nos Pireneus franceses. O segundo registro mais antigo veio de um sapo brasileiro, coletado no Rio de Janeiro em 1964. A presença da Bd-Brazil no Brasil em 1916, duas décadas antes da chegada das primeiras rãs-touro norte-americanas ao país, reforça a hipótese da origem brasileira.

A disseminação global do fungo está ligada aos ranários e ao comércio de carne de rã. A rã-touro, introduzida no Brasil em 1935 e posteriormente nos anos 1970, revelou-se ideal para a aquicultura comercial. No entanto, as rãs-touro criadas em ranários brasileiros carregavam a Bd-Brazil, disseminando o fungo por meio da exportação. A análise de 3.617 rotas do comércio internacional de carne de rã, envolvendo 48 países, revelou a presença da linhagem em diversos países, sempre em datas posteriores à sua presença confirmada no Brasil.

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A Bd-Brazil é prevalente no Brasil, mas paradoxalmente menos virulenta que outras linhagens. No entanto, quando exportada para outros ecossistemas, o fungo encontra anfíbios sem defesas evolutivas contra ele, resultando em declínio populacional catastrófico. A descoberta destaca a importância de medidas de prevenção rigorosas, como controles de importação, triagem de patógenos e protocolos de quarentena, regulamentados e monitorados em escala global para proteger as espécies nativas.

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