Estado usa leis para justificar mortes de negros, aponta estudo

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Pesquisas indicam que o sistema jurídico brasileiro estaria sendo utilizado para justificar e racionalizar mortes de pessoas negras. A conclusão é do professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro da Comissão Arns, Thiago Amparo, durante um debate sobre racismo, segurança pública e democracia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Amparo, com base em estudos do Centro de Pesquisa de Justiça Racial e Direito da FGV, questiona a narrativa que separa o sistema jurídico do Estado de Direito da chamada necropolítica, onde o Estado decide quem vive e quem morre. Para o pesquisador, o sistema jurídico muitas vezes racionaliza a violência por meio de suas próprias regras.

Um exemplo citado é a aplicação seletiva da legítima defesa, permitindo abusos por agentes do Estado. O caso do músico Evaldo Rosa, morto a tiros por militares em 2019, é um exemplo. Apesar da alegação de legítima defesa, a viúva questionou a versão, afirmando que a quantidade de disparos indicava intenção de matar. Em 2024, o Superior Tribunal Militar (STM) reduziu as condenações dos militares envolvidos.

O ouvidor da polícia do Estado de São Paulo, Mauro Caseri, também presente no debate, destacou o componente racial nas mortes decorrentes de intervenção policial, que ocorrem em áreas específicas e afetam jovens negros.

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Um ponto crítico levantado é o alto índice de arquivamento de processos de mortes em ações policiais pelo Ministério Público de São Paulo. Segundo o ouvidor, a grande maioria dos policiais que cometem homicídios tem seus processos arquivados, e mesmo nos casos que seguem, a taxa de absolvição é alta.

Caseri defende o uso de câmeras corporais em toda a tropa da Polícia Militar em São Paulo como forma de reduzir a letalidade policial. A medida, segundo ele, obriga os policiais a seguirem protocolos, evitando abordagens violentas. A preservação do local das ocorrências para a produção de laudos periciais eficientes também é vista como crucial para responsabilizar os agentes.

O professor Thiago Amparo também aponta para o desrespeito a normas de direito processual. Uma pesquisa da FGV identificou que provas eram obtidas por meio de invasões irregulares a domicílios, justificadas como “entrada franqueada”. A defesa alegava nulidades, como provas obtidas ilegalmente ou abordagens irregulares, mas esses argumentos eram frequentemente desconsiderados pelo Judiciário.

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A falha na produção de provas dificulta a responsabilização de agentes do Estado. Uma pesquisa da FGV, que analisou casos de mortes decorrentes de intervenção policial em São Paulo, constatou que a maioria dos processos não teve exame de pólvora nas vítimas, o que dificulta a apuração dos fatos.

Amparo avalia que o uso das regras jurídicas para a manutenção da violência, especialmente contra pessoas negras, faz parte de um projeto político de opacidade de dados e seletividade na implementação de câmeras e protocolos policiais.

O professor compara as mortes atuais com as que ocorriam durante a ditadura militar. Amparo destaca que mesmo em um regime democrático, nem todos vivem sob um regime democrático com direitos iguais. Uma pesquisa mostrou que 40% das vítimas de violência policial apresentavam sinais de agressão anterior à morte.

A principal prova de absolvição nos casos de mortes decorrentes de intervenção policial, destaca o pesquisador, é o depoimento dos próprios policiais, que muitas vezes não é contestado devido à falta de outros elementos comprobatórios.

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Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br

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