Cooperativas em crise: recuperação judicial é possível para cotribá?
A decisão judicial que aplica parcialmente a Lei de Recuperação Judicial e Falências (LRF) ao caso da Cotribá, a mais antiga cooperativa do Brasil, reacende um debate jurídico de longa data sobre a viabilidade de recuperação para este tipo de organização. A medida surge em um momento crítico para o agronegócio, marcado por margens apertadas, altas taxas de juros, custos elevados de insumos e quebras de safra, fatores que têm impactado negativamente diversos participantes da cadeia de fornecimento.
A princípio, a decisão de tratar a Cotribá como uma sociedade empresarial causa estranheza, considerando que a legislação brasileira (Lei 5764/71) estabelece que cooperativas não são abrangidas pela LRF, possuindo um regime próprio de liquidação. Caso a lei fosse aplicada estritamente, a Cotribá não poderia se beneficiar dos mecanismos da LRF, mas sim seguir um processo de liquidação, um cenário distinto do objetivo de recuperação.
A decisão judicial busca conciliar os interesses do devedor e dos credores, valendo-se das características consideradas mais modernas da LRF em comparação com a legislação específica das cooperativas. A LRF oferece ferramentas importantes para a recuperação de crédito e a reestruturação da sociedade, como a gestão de ativos, a transparência do processo e a participação ativa dos credores no desenvolvimento do plano.
Uma das principais diferenças entre os dois sistemas é o envolvimento do Judiciário. Enquanto a recuperação judicial exige aprovação judicial e homologação do plano, a liquidação de cooperativas pode ser iniciada por decisão da assembleia dos cooperados, sem a necessidade de intervenção de terceiros.
Outra disparidade relevante reside nos prazos de suspensão das ações contra a sociedade em crise: 180 dias na LRF e 1 ano na legislação das cooperativas, ambos prorrogáveis sob certas condições. Sob a LRF, há a possibilidade de execuções de crédito extraconcursal prosseguirem em paralelo ao processo de recuperação, favorecendo créditos com garantias fiduciárias. Essa questão é controversa na legislação das cooperativas, que determina a suspensão de todas as ações, sem distinção do tipo de crédito.
A essencialidade dos ativos em garantia fiduciária é um ponto crucial. Na LRF, ativos considerados essenciais para a recuperação podem ter suas execuções suspensas. Na legislação das cooperativas, a retirada de ativos essenciais pode comprometer o plano de pagamento, especialmente em liquidações que podem se estender por anos.
A dificuldade em encontrar consenso entre credores é um problema comum nas liquidações de cooperativas. Enquanto a LRF estabelece regras, controles e prazos para as ações de devedores e credores, a legislação das cooperativas é mais superficial e menos transparente. A ausência de um conjunto de regras que incentivem a recuperação, em vez da liquidação, é o principal obstáculo à aplicação da legislação específica.
A decisão no caso Cotribá não é definitiva e deverá ser contestada. Credores que vislumbram a possibilidade de pagamento das dívidas por meio da liquidação podem se opor a um plano de recuperação. No entanto, a experiência mostra que a via da recuperação aumenta significativamente as chances de sucesso.
A aplicação subsidiária da LRF ao regime das cooperativas pode ser uma solução temporária, mas não definitiva. As cooperativas, apesar de sua importância no mercado, possuem características sociais que as diferenciam das empresas de capital. É contraditório que não lhes seja oferecida uma via de recuperação, mas apenas a extinção.


