Arte de resistir: tatu-bola, guardião do cerrado ameaçado
O tatu-bola, símbolo do Cerrado, enfrenta a ameaça da extinção e se torna um alerta sobre o avanço humano e a perda do equilíbrio ambiental.

Em meio à serenidade aparente do Cerrado brasileiro, existe uma vida oculta que pulsa sob a terra, sustentando o equilíbrio de um dos biomas mais ricos e ameaçados do país. Nesse subterrâneo fértil, o tatu-bola emerge como um verdadeiro símbolo de resistência. Pequeno, de olhar atento e protegido por uma carapaça que parece feita sob medida para o ambiente, ele carrega em si não apenas a própria história, mas também a de um ecossistema que depende da sua presença para continuar vivo.
Quando se vê em perigo, o tatu-bola executa seu gesto mais característico: fecha-se sobre si mesmo, transformando-se em uma esfera quase impenetrável. Essa defesa, que o torna único entre os animais, foi suficiente por séculos para afastar predadores naturais. Hoje, no entanto, já não o protege das maiores ameaças — tratores, queimadas e cercas que avançam sobre o habitat natural.
A destruição acelerada do Cerrado tem reduzido drasticamente as áreas onde ele pode viver, colocando em risco não apenas a espécie, mas toda a engrenagem natural que dela depende.
O papel do tatu-bola vai muito além da própria sobrevivência. Pesquisadores o chamam de “engenheiro do ecossistema”, pois suas tocas e escavações facilitam a penetração da água no solo, ajudam na aeração e promovem a ciclagem de nutrientes. Onde ele vive, o solo é mais fértil e a vegetação mais saudável. Sua ausência, por outro lado, indica um ambiente degradado, pobre e seco — sinais claros de um Cerrado que perde o fôlego.
De acordo com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), o tatu-bola está atualmente classificado como em “perigo crítico de extinção”. Isso significa que sua população natural corre sério risco de desaparecer. O animal se tornou um indicador ambiental, mostrando, com sua presença ou ausência, a saúde do próprio bioma. Em outras palavras, o tatu-bola é o termômetro da natureza, e o Cerrado está com febre alta.
Curiosamente, o mundo inteiro conheceu o tatu-bola em 2014, quando foi escolhido como Fuleco, o mascote da Copa do Mundo no Brasil. A escolha chamou atenção para a ironia de um país que homenageia, em um evento global, um animal que enfrenta o risco de desaparecer. No entanto, essa visibilidade trouxe um lado positivo: multiplicaram-se os projetos de conservação, pesquisas e ações educativas voltadas à preservação do tatu-bola e do Cerrado.
Hoje, ele é mais do que um símbolo. É um alerta silencioso que ecoa sob a terra seca e nas tocas abandonadas. Enquanto escava o chão à noite, em busca de formigas e abrigo, o tatu-bola nos lembra que a resistência da natureza continua — discreta, mas firme. Seu simples ato de existir é um grito de esperança, um convite para que o Cerrado, e todos os que dele dependem, ainda possam respirar.