Dívida e juros: brasil preso em ciclo vicioso há quatro décadas
A dívida pública no Brasil tem sido um problema persistente, especialmente entre os anos 1980 e meados dos 1990, quando a hiperinflação a tornou ainda mais problemática. Naquela época, a dívida era financiada com instrumentos de curto prazo, fortemente atrelados às taxas de juros básicas e variações cambiais.
Essa combinação criava um ciclo vicioso: a inflação alta levava ao aumento das taxas de juros para controlá-la, o que, por sua vez, elevava o custo da dívida. Em 1993, a inflação atingiu um pico de 2.477,15%, medida pelo IPCA-IBGE. A indexação transformou a dívida em um mecanismo de transmissão de instabilidade para toda a economia.
A inflação galopante impossibilitava o planejamento a longo prazo. Empresas e a população mais vulnerável se limitavam a proteger o valor do seu capital, enquanto a dívida pública consumia recursos que poderiam ser investidos na produção e no aumento da produtividade.
Com o Plano Real em 1994, a dívida continuou atrelada ao dólar, buscando estabilizar a inflação através de uma âncora cambial. Entre 1995 e 1998, a taxa média de juros real foi de aproximadamente 22% ao ano, chegando a 30% em alguns momentos, tornando-se a mais alta do mundo em termos reais. Em 1999, a taxa nominal atingiu 45% ao ano, com uma inflação de 8,94%, resultando em juros reais de 36%.
Em janeiro de 1999, o governo adotou o câmbio flutuante, levando a uma desvalorização de cerca de 75% do real em poucos dias. A crise econômica internacional e os problemas estruturais da economia brasileira contribuíram para esse cenário, com fuga de capitais e queda nas reservas internacionais.
O regime de câmbio fixo do Plano Real tornou-se insustentável devido ao grande déficit nas transações externas e ao crescimento contínuo da dívida externa. A transição para o câmbio flutuante aumentou o peso da dívida externa em reais e a dívida interna cresceu devido aos juros reais elevados, visando financiar o déficit fiscal e manter a estabilidade da moeda.
Entre 2003 e 2013, houve um alívio relativo da dívida pública, impulsionado pelo crescimento econômico razoável, termos de troca favoráveis e superávits primários robustos. No entanto, mesmo com esses fatores positivos, a dívida pública ainda fechou o período um pouco acima do patamar inicial em relação ao PIB, chegando a 63,2% em 2013, com 8,3% do PIB gasto com o serviço da dívida.
A partir de 2014, a situação se deteriorou com a desaceleração dos preços das commodities, queda das receitas públicas e aumento do desemprego. A dívida pública aumentou, atingindo 74% do PIB em 2015.
A crise foi amplificada pelo peso da dívida pública, levando a um ciclo perverso de recessão, elevação da dívida, cortes de gastos e recessão mais profunda. Os juros reais elevados durante este período representaram menos recursos para saúde, educação e desenvolvimento.
Em 2023, um novo arcabouço fiscal substituiu o teto de gastos, buscando controlar os gastos primários, mas sem medidas para lidar com os gastos com a dívida. A dívida volta a subir, ainda que moderadamente, em função dos juros reais elevados e do baixo crescimento da economia.
A economia brasileira permanece presa a uma política de juros altos, supostamente para controlar a inflação, o que impede investimentos e reduz o crescimento. Essa combinação de política macroeconômica conduz o país a um beco sem saída, beneficiando aqueles que lucram com o ciclo especulativo.
A trajetória da dívida nas últimas décadas revela um padrão: choques econômicos levam à deterioração da dívida pública, com respostas direcionadas aos gastos primários, em vez de abordar as causas da elevação dos juros ou do baixo crescimento econômico.
Os gastos com a dívida pública impedem o enfrentamento de problemas centrais da economia brasileira, como a vulnerabilidade a choques externos, a fragilidade da base produtiva, a desindustrialização e a baixa taxa de investimentos.

