Esquerda e segurança: uma cilada eleitoral em 2026?

O debate eleitoral de 2026 já se intensifica, com destaque para a crescente discussão sobre a importância de um programa de Segurança Pública para o governo Lula. Nomes importantes da esquerda têm defendido a necessidade de ações urgentes contra o crime organizado, desde que respeitem o Estado de direito e se distanciem das políticas repressivas do bolsonarismo.
Um exemplo é a proposta de criação de uma secretaria de Segurança Pública ligada diretamente à Presidência, sob o comando de Ricardo Cappelli. Cappelli, mesmo atuando na Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, tem se manifestado nas redes sociais sobre o tema, defendendo uma combinação de inteligência e planejamento com o uso efetivo da força para combater facções criminosas e milícias, visando a recuperação de territórios controlados por esses grupos.
Essa discussão surge em um contexto onde a ultradireita na América Latina tem explorado a temática da segurança como um filão político e eleitoral. No Brasil, essa tendência se acentuou após o declínio de Bolsonaro e ficou evidente no apoio popular ao massacre nas comunidades do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, mesmo diante das evidências de violência policial.
Embora a necessidade de a esquerda aprofundar seus conhecimentos teóricos e práticos sobre segurança seja inegável, transformar essa questão na principal estratégia eleitoral pode ser uma armadilha. Isso porque significaria levar o debate para um campo favorável aos adversários, desviando a atenção de outras tarefas importantes para a candidatura de Lula, como a apresentação de um projeto de reconstrução do país.
Priorizar a segurança em detrimento de outras áreas pode colocar em risco a recuperação do governo Lula nos últimos meses. Após um período de passividade, o governo retomou pautas como a justiça tributária e enfrentou resistências no Congresso, associando-as à defesa de privilégios das elites. Além disso, respondeu de forma altiva às pressões externas, diferenciando-se de outros governos.
Essas ações resultaram em uma melhora na popularidade do governo e na recuperação do apoio de setores importantes para 2026, como mulheres, nordestinos e a população mais pobre. A correlação de forças no Congresso também se inverteu, com o governo conquistando vitórias importantes, como a aprovação de uma mudança no Imposto de Renda.
No entanto, o avanço do governo tem se limitado à retórica, o que pode ser um ponto fraco. Para consolidar o novo ânimo social, é preciso que o discurso se traduza em mudanças concretas nas condições de vida da população. O desemprego está baixo, mas as ocupações são precárias e mal remuneradas. A fila de espera por aposentadoria continua grande, a reforma agrária está parada e não há sinais de reversão da reprimarização da economia.
É nesse contexto que a direita tem explorado a pauta da segurança, buscando se apropriar do desejo de mudanças e desviar a atenção da luta contra as injustiças. A resposta a esse discurso não deve ser tentar controlá-lo, mas sim apresentar um projeto de país diferente. O fim da escala 6×1 e o passe livre nacional, por exemplo, precisam se converter em metas de mobilização concreta, com a participação da sociedade civil e do governo.
A garantia de Segurança Pública deve ser vista como mais um direito fundamental, dentro de um projeto de reconstrução nacional. É importante tratar das especificidades do tema, como os caminhos para agir propostos por pensadores como Luís Eduardo Soares, que constroem abordagens orgânicas onde a segurança faz parte de um programa de transformações que pode conquistar o apoio das maiorias.
A política brasileira tem se reduzido a marketing, mas é possível resgatar a disputa de projetos. As eleições parlamentares oferecem uma oportunidade para candidaturas comprometidas com a transformação do país, que podem se unir em torno de uma Plataforma Popular. Essa plataforma apresentaria uma visão comum dos problemas do país e das transformações necessárias, dando dimensão nacional a candidaturas que, de outra forma, poderiam passar despercebidas.
É preciso superar a lógica de que cada nova emergência é o único problema a ser resolvido, em detrimento de outras pautas importantes. É possível reverter essa situação, mesmo em temas urgentes como a Segurança Pública.

