Eua: dólar aprisiona maior economia do mundo

Compartilhe

A maior economia global enfrenta um paradoxo inquietante: a sua própria moeda, o dólar, transformou-se em uma espécie de prisão. As recentes tarifas propostas pelos Estados Unidos expõem as fragilidades de um sistema monetário internacional que se equilibra precariamente há décadas. A busca por diminuir o déficit comercial esbarra em uma contradição central: a sustentação do dólar como moeda de reserva mundial exige que os EUA injetem vastas quantidades de sua moeda no mercado global, o que inevitavelmente ocorre por meio de um volume de importações superior ao de exportações.

Nos anos 1960, o economista Robert Triffin alertou sobre as contradições internas do sistema de Bretton Woods, prevendo seu eventual colapso. O chamado “dilema de Triffin” destaca que o país emissor da moeda de reserva global deve tolerar déficits contínuos para assegurar liquidez no mercado mundial. No entanto, esses mesmos déficits minam a confiança na moeda em questão.

Por cinco décadas, os Estados Unidos conviveram com essa instabilidade, acumulando déficits comerciais financiados por outros países. Nações como China e Japão mantêm reservas trilionárias em dólares, impulsionadas pela escassez de alternativas viáveis. Essa dependência criou uma relação complexa: o mundo necessita do dólar para o comércio, enquanto os Estados Unidos precisam que o mundo aceite seus déficits para manter a engrenagem em movimento.

As recentes medidas protecionistas ignoram essa intrincada dinâmica. Ao buscar o equilíbrio comercial por meio de barreiras tarifárias, o país não apenas corre o risco de desencadear conflitos comerciais, mas também compromete o alicerce do seu próprio poder. A questão que se coloca é: como o dólar pode manter seu status de moeda de reserva se os Estados Unidos restringem o acesso às exportações globais? O déficit comercial não é uma anomalia, mas sim o preço pago pela hegemonia monetária.

Publicidade

A desconfiança em relação ao dólar, prevista por Triffin, ganha corpo. China e Rússia já efetuam transações bilaterais em suas moedas. Países emergentes consideram a criação de cestas de moedas para o comércio internacional. A União Europeia busca fortalecer o euro como alternativa ao dólar. Estas iniciativas refletem uma racionalidade econômica, e não uma agenda ideológica.

A declaração de um ex-presidente dos EUA sobre a possível perda do status de padrão monetário ser equivalente a perder uma guerra mundial demonstra uma compreensão da dimensão da questão. O dólar, como moeda de reserva, possibilita que os Estados Unidos financiem seus déficits a juros baixos, mantenham elevados gastos militares e exerçam influência geopolítica por meio de sanções financeiras. Abdicar desse poder representaria o fim de um período de domínio sem precedentes.

A solução proposta por Triffin há mais de 50 anos envolve a criação de uma nova unidade de reserva internacional, independente de qualquer moeda nacional, administrada por uma instituição como o Fundo Monetário Internacional. No entanto, a implementação dessa alternativa exigiria que os Estados Unidos compartilhassem seu poder monetário.

Publicidade

A resistência dos Estados Unidos a reformas no sistema monetário internacional reflete a defesa de um privilégio valioso. Contudo, a sustentabilidade desse sistema é questionável. Volatilidade cambial crescente, acumulação de reservas, desequilíbrios globais e um país hegemônico que não assume suas responsabilidades indicam que o sistema atual está sob tensão.

Todos os atores envolvidos agem de forma racional, mas suas ações coletivas os conduzem a uma situação de risco. A cooperação beneficiaria a todos, mas a desconfiança leva cada um a priorizar seus interesses imediatos. O sistema monetário internacional necessita de reforma para evitar um colapso.

Compartilhe