Gestantes de áreas mais pobres enfrentam maior risco de natimortalidade

Um estudo abrangente revelou que o risco de natimortalidade, ou seja, a morte de um bebê durante a gestação ou no momento do parto, é significativamente maior em municípios com piores condições socioeconômicas. A pesquisa aponta para uma diferença alarmante de até 68% no risco, quando comparados a municípios com melhores indicadores.
O levantamento, fruto de uma colaboração entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a London School of Hygiene and Tropical Medicine, a Universidade de São Paulo (USP) e a Western University, no Canadá, analisou dados de nascimentos ocorridos no Brasil entre os anos de 2000 e 2018. Os dados foram obtidos a partir de registros oficiais do Ministério da Saúde e cruzados com o Índice Brasileiro de Privação, um indicador que classifica os municípios em diferentes níveis de privação com base em fatores como renda, escolaridade e condições de moradia.
Uma das descobertas mais preocupantes do estudo é que, ao longo dos 18 anos analisados, a taxa de natimortalidade permaneceu relativamente estável nas cidades com maior vulnerabilidade social, contrastando com a queda observada nas cidades com melhores condições de vida.
A pesquisa, publicada na revista científica BMC Pregnancy and Childbirth, teve como objetivo central verificar se a diminuição geral no risco de natimortalidade observada no Brasil era uniforme entre os municípios com diferentes níveis de privação. A intenção era identificar áreas que necessitam de maior apoio e desenvolver estratégias direcionadas para reduzir a natimortalidade nessas regiões mais afetadas.
Embora dados anteriores já indicassem uma queda de 30,7% na taxa de natimortalidade no Brasil em 2019, em comparação com o ano 2000 (de 10,1 para 7 a cada 1 mil nascimentos), nenhum estudo havia se aprofundado na análise das disparidades internas em nível municipal.
“Agora, as evidências mostram claramente que essa diferença existe e tem impacto real nas taxas de natimortalidade”, enfatiza Enny Paixão, pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia.
Em 2018, o Brasil registrou 28,6 mil casos de fetos que morreram após a 20ª semana de gestação ou de bebês que faleceram durante o parto. Isso corresponde a uma taxa de 9,6 natimortos a cada mil nascimentos. No entanto, essa taxa varia significativamente entre os municípios: 7,5 nos municípios com melhores condições socioeconômicas e 11,8 nas cidades com maior nível de privação.
Os pesquisadores sugerem que melhorias gerais nas políticas de saúde e em outras áreas, como educação e saneamento básico, podem explicar a diminuição da taxa média no país. No entanto, a razão pela qual essas intervenções foram relativamente menos eficazes nos municípios mais carentes ainda não está clara.
Uma das hipóteses levantadas é que esses municípios concentram uma proporção maior de populações rurais que vivem em áreas remotas, o que dificulta o acesso aos serviços de saúde, especialmente os de maior complexidade.
Enny Paixão também destaca a importância de considerar problemas relacionados à desigualdade, como a falta de serviços, a dificuldade de acesso e a baixa qualidade dos serviços de saúde disponíveis nessas áreas, o que pode comprometer a qualidade da atenção pré-natal e durante o parto. A pesquisadora ressalta que investigar a natimortalidade entre municípios segundo o nível de privação é fundamental para identificar áreas que necessitam de melhorias no acesso e na qualidade da atenção perinatal.
