Tesouro corta oferta e tenta conter crise dos títulos ligados ao IPCA
Tesouro Nacional reduz oferta de títulos atrelados ao IPCA para conter pressão de debêntures isentas e tenta equilibrar o custo da dívida pública.

O Tesouro Nacional tem adotado uma postura mais cautelosa nas últimas semanas e reduziu significativamente a oferta de títulos públicos atrelados à inflação (IPCA), conhecidos como NTN-Bs (Notas do Tesouro Nacional – Série B). A decisão acontece em meio à forte pressão nas taxas desses papéis, causada pela concorrência crescente das debêntures de infraestrutura, que têm atraído investidores com vantagens tributárias e rendimentos atrativos.
Apesar da recente rejeição da Medida Provisória (MP) que previa o aumento de impostos, a situação continua delicada. As debêntures incentivadas seguem oferecendo isenção de Imposto de Renda, enquanto os investidores que aplicam em títulos do Tesouro pagam entre 15% e 22,5% de IR. Essa diferença vem distorcendo o mercado e dificultando a venda das NTN-Bs, principalmente as de prazos mais longos.
Durante as negociações da MP, o governo tentou reduzir essa desigualdade propondo uma alíquota de 5% para debêntures incentivadas e 17,5% para os demais títulos públicos, mas a proposta perdeu validade antes de ser aprovada. A incerteza sobre o futuro das isenções fez com que empresas antecipassem novas emissões de debêntures, ampliando ainda mais o problema para o Tesouro.
Nos últimos leilões, o órgão reduziu o volume ofertado de NTN-Bs para apenas 50 mil títulos, bem abaixo dos 750 mil ofertados em setembro. Essa estratégia, conhecida no mercado como “cancelamento branco”, equivale praticamente à suspensão dos leilões. Segundo técnicos do Ministério da Fazenda, a medida busca evitar que as taxas subam ainda mais diante da falta de demanda.
Especialistas do mercado alertam que a situação tende a se manter enquanto o cenário de investimentos em infraestrutura continuar aquecido, já que a emissão de debêntures deve seguir em alta. Com isso, as taxas das NTN-Bs permanecem elevadas. Papéis com vencimento em 2029 já superam 8% de juros mais IPCA, o maior nível desde 2023.
O estrategista da corretora Warren Rena, Luis Felipe Vital, destacou que mesmo com a melhora no câmbio, as taxas das NTN-Bs não cederam. Ele estima que o Tesouro esteja aumentando as emissões para reforçar o “colchão de liquidez”, preparando-se para 2026, ano eleitoral, quando a instabilidade tende a crescer. A expectativa é de um colchão de cerca de R$ 1,3 trilhão, o suficiente para cobrir oito meses de vencimentos sem necessidade de novos leilões.
Para o ex-secretário do Tesouro, Paulo Valle, a manutenção das debêntures com isenção fiscal representa um custo desnecessário ao governo, que precisa pagar mais juros do que o normal para competir com esses títulos. Ele defende a redução dos lotes de NTN-Bs como forma de aliviar as distorções do mercado e proteger a estratégia de financiamento da dívida.
Enquanto o governo busca equilíbrio entre atratividade e custo da dívida, o mercado observa de perto os próximos passos do Tesouro. A expectativa é que o órgão mantenha a postura cautelosa até que as condições melhorem e a pressão sobre os títulos indexados ao IPCA comece a diminuir.